sexta-feira, 2 de março de 2012

O PODER DO CARNAVAL


Carnaval III
O poder do Carnaval
Mair Pena Neto
É extraordinário o poder transformador do carnaval, mesmo para quem não pode brincá-lo. Os quatro dias de folia, que se estendem por quase uma semana numa saudável baianização que se alastra pelo país, são capazes de mudar totalmente qualquer estado de espírito. Até o início da festa, o Rio de Janeiro estava mergulhado num baixo astral causado pelo desabamento de três edifícios no coração da cidade, com mortos e feridos, sem falar nos bueiros voadores. Mas os blocos tomando as ruas, o colorido das fantasias e a magnitude do desfile das escolas de samba são capazes de irradiar o melhor do espírito carioca, contagiando de alegria a cidade.
Não é apenas o ópio, a ofegante epidemia a que se tinha direito em tempos tenebrosos. A manhã já renasceu e esbanja poesia e otimismo como no samba-enredo da Acadêmicos da Rocinha, comunidade que, antes escondida sob tapumes dos visitantes estrangeiros, se integra cada vez mais à cidade e atrai para suas ruas e vielas os próprios turistas de quem tentavam ocultá-la.
"Refúgio de selvas concretas
Pra mentes abertas, livros, paixões e xadrez
Heróis forjados em ferro, ases da história
As damas e reis
Pousei pra ver a meninada
Driblar a tristeza e jogar futebol
A melhor idade mantendo a forma
Um lindo domingo de sol
Voei pra Brasília, esperar não é saber
A voz do povo faz a hora
Rocinha não espera acontecer".
Assim como a Rocinha, os blocos de rua também fizeram a hora e tomaram o carnaval nas mãos. Num tempo, página infeliz da nossa história, a maior festa do Brasil foi transformada, no Rio de Janeiro, num momento de exclusão da folia. Só havia os bailes nos clubes, caros e tendendo cada vez mais à pornografia, e o desfile na avenida, também voltado para o turismo, embora ainda feito pelo povo.
Os blocos foram nascendo aqui e ali, nos bairros, nos grupos de esquina, de praia e de bar, e multiplicaram-se em expansão geométrica. O crescimento foi tamanho, que exigiu um freio de arrumação para que a alegria continuasse sem destruir a cidade e prejudicar os moradores, que, mesmo em tempos de carnaval, precisam se deslocar por emergência ou opção.
A ideia de organizar a festa causou pânico, pois ninguém quer corda no seu bloco, mas acabou sendo feita com bom senso. A zona sul foi esvaziada do excesso de agremiações, o centro da cidade foi ainda mais retomado e o Aterro revelou-se um lugar excelente para a passagem de grupos que já arrastam 50 mil a 100 mil pessoas. Nada disso tirou o caráter irreverente e antropofágico da festa, que agora engole, além de sambas e marchinhas, o brega, os Beatles, Raul Seixas e o rock`n roll devidamente digeridos e expelidos.
A festa no Rio, que por muito anos ficou reprimida, levando foliões a buscarem as ruas de Salvador ou Olinda,  não deve nada a ninguém. O tradicional cordão da Bola Preta leva a cada ano mais gente às ruas e o resto dos blocos faz a cidade cantar durante uma semana. Carnaval não se compara e nem se mede por grandiosidade. E o Rio de Janeiro é como a Vila Isabel, que não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz carnaval também.


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