segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

VERÕES PASSADO II


Houve uma vez um Verão II
No teatro, "Hoje é dia de rock" (bebê?) prosseguia com a carreira de sucesso e, no Night and Day, Marília Pêra encarnava Carmen Miranda em "A pequena notável". A tropicalíssima Carmen, musa inspiradora daquele Verão das Dunas, seria também enredo do Império Serrano, campeão do carnaval de 1972. A escola apresentava um samba que, pela primeira vez, ousava misturar gírias à rigidez típica dos carnavais da época: "Que grilo é esse?/ Vou embarcar nessa onda/ É o Império Serrano que canta, dando uma de Carmen Miranda".
As dunas funcionavam como uma fronteira demarcada. A repressão não ia até lá. Desconfio que até incentivava aquilo, porque, no fundo, gostava que as pessoas tivessem optado pelo desbunde e não pela luta armada. Mas, no geral, tudo o que se produzia lá repercutia do lado de fora: moda, música, comportamento. A cultura do Rio de Janeiro não foi mais a mesma depois daqueles verões.
Um retrato desse tempo provavelmente estará nos cinemas a partir de 2013, com o longa "Píer de Ipanema — 1972". É um filme de ficção que remonta às histórias em torno das areias de Ipanema. O produtor paulista Guilherme Keller chegou a pensar em fazer um documentário, mas percebeu que, na boa, aquele mundo doido parecia mesmo coisa de ficção. Ele conta com o auxílio de Sergio Ayrosa, que trabalhou na equipe técnica de produções como "Avatar" e "Harry Potter", nos efeitos especiais.
“Vamos reconstituir o píer com efeitos especiais e tentar recuperar todo o clima daquela época”, explica Guilherme, que está associado à produtora RT, de Rodrigo Teixeira. O foco vai ser o verão de 1972. Aquele período serve de síntese de tudo o que foi o píer.
Em 1975, o píer seria desmontado, deixando para trás alguns verões de moda, liberdade, fumaça, boas ondas e, dizem os mais maldosos, quilos de piolhos pelo caminho. Era o fim do caminho, como profetizava "Águas de março", de Tom Jobim, que fechou genialmente aquele verão de 1972. O Verão das Dunas, que apresentou ao carioca nomes como Rose di Primo, Angela Ro Ro, Evandro Mesquita, Pepê, Petit (o Menino do Rio inspirador de Caetano), José Simão, Chacal e Baby Consuelo, deixaria também muita saudade. Ou, como preferiam os poetas da época, saüdade.
No dia 20 de janeiro de 1972, uma revisão ortográfica da língua portuguesa entrava em vigor no país. Saudade, que até então podia ser escrita com um charmoso trema sobre o u, perdia de vez o "acento". A grita era geral. Aurélio Buarque de Hollanda, pai do pai dos burros, foi aos jornais reclamar: "Estamos caminhando para a anarquia ortográfica. É só o começo."
Começo, por sinal, levava o circunflexo em cima do e: comêço. Eram sinais do tempo. A partir daquele janeiro de 1972, a história dos verões do Rio definitivamente seria escrita de um outro jeito.




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